Resenhas - Literatura de Horror

666 - O LIMIAR DO INFERNO, de Jay Anson

Se há uma palavra boa para definir o livro 666 - O Limiar do Inferno (Editora Melhoramentos cedida para o Círculo do Livro, 1981) , essa palavra seria "burocrático". A história é basicamente a seguinte: após voltar das férias, um casal (Keith e Jennifer) se surpreendem ao encontrar uma casa no terreno atrás de sua residência, um casarão em estilo vitoriano que não poderia ser construído em apenas 10 dias (a história se passa muito antes da existência do programa Extreme Makeover - Reconstrução Total, he he). Logo, eles descobrem que a casa foi transportada inteira até ali, levando consigo uma aura de mistério e um passado sinistro. Como um bom personagem de horror, Keith vai investigar o local, descobrindo fatos estranhos que parecem ter ligação com sua própria vida.

O ponto de partida é interessante, contudo, o desenrolar da história segue de maneira certinha e bonitinha demais, quase como se o autor Jay Anson (do excelente e polêmico Horror em Amityville) tivesse seguido a cartilha de vários livros de terror dos anos 80: um mistério, investigações, acontecimentos estranhos, paranóia, brigas familiares e um desfecho exagerado e abrupto. Essa receita funcionou de maneira bastante satisfatória em outros livros (como o já citado Horror em Amityville), porém não foi tão eficiente aqui. Não há nada digno de nota em 666, nenhuma situação realmente interessante, nada que cause arrepios ou tensão real. Enfim, é uma obra que certamente irá agradar o leitor médio, aquele que gosta de um terror limpinho e pouco aterrorizante, que não vai deixá-lo com medo de apagar as luzes depois da leitura. Já para o aficionado pelo gênero terror provavelmente achará o livro apenas médio (para não dizer medíocre).

Enfim, 666- O Limiar do Inferno pode até ser o livro ideal para alguém que está dando seus primeiros passos na literatura de horror (ou então, é uma boa opção para presentear aquela sua tia-avó que gosta de sentir um medinho), porém, há muitos livros beeeem melhores para os fãs do gênero.

Abraços!

A CASA DAS BRUXAS, de H.P. Lovecraft


Outro autor famoso que ainda não tinha aparecido por aqui. Falar sobre a vida de H.P. Lovecraft é repetir tudo que já foi dito. Tudo que vou dizer é que o sujeito criou uma mitologia própria e muito pessoal, investindo no que chamava de "Horror Cósmico", um terror que fazia o ser humano sentir-se insignificante frente à grandeza dos "Antigos", criaturas malévolas que observam nossa realidade, esperando pelo momento de voltar. É claro que ele também utilizou lendas antigas (e já presentes em contos anteriores) em suas tramas, mas isso não tira de forma alguma sua originalidade, que ainda fundiu o terror com elementos de ficção científica. Ele criou seus mitos com tal capricho, que existe gente até hoje acreditando que um elemento de suas histórias, o Necronomicon (o livro maldito escrito pelo fictício e onipresente Abdul Alhazred) é real.

Mas enfim, hora de falar do livro (real) que é tema do presente post: A Casa das Bruxas, publicada pela Francisco Alves em sua maravilhosa coleção "Mestres do Horror e da Fantasia". A obra trás quatro contos, que serão comentados a seguir:

Nas Montanhas da Loucura - Esta é uma das histórias mais famosas do autor, fazendo parte dos chamados "Mitos de Cthulhu". O ponto de partida mostra o massacre dos membros de uma expedição à Antártida por alguma(s) criatura(s) misteriosa(s), e a posterior viagem realizada por dois homens para descobrir o que aconteceu. Através da típica narrativa em primeira pessoa, um dos personagens vai narrando (com um didatismo quase obsessivo) tudo que encontram no acampamento: os rastros da coisa gigantesca que matou todas aquelas pessoas, os fósseis bizarros que os cientistas haviam descoberto, anteriores ao tempo dos dinossauros, etc. O cenário lúgubre é rodeado de montanhas colossais, que trazem uma sensação de inquietude constante. Logo, os dois aventureiros descobrem que há uma cidade perdida lá dentro das cordilheiras; uma metrópole habitada por criaturas que, certamente, não eram humanas.
É um conto longo (quase um pequeno romance), repleto da profusão de adjetivos comum em Lovecraft.  O autor possuía um estilo pesado, que não é para todos os paladares literários. Inclusive, muita gente critica o estilo do gajo, afirmando que ele era um escritor limitado. 
O final da história faz uma citação direta à história "A Narrativa de Arthur Gordon Pym", de Edgar Allan Poe. Não é segredo para ninguém que Lovecraft era fãzaço de Poe, e o conto em questão serve, de certa forma, para explicar tudo que Edgar Allan Poe preferiu deixar no mistério. Enfim, o desfecho da história de Lovecraft só é compreensível para quem leu "A Narrativa de Arthur Gordon Pym", o que me leva a crer que Nas Montanhas da Loucura é uma das mais famosas fanfics da literatura.


A Casa Abandonada - Conto mais "leve", aborda uma estranha propriedade onde, segundo dizem, ocorreram inúmeras mortes misteriosas. O narrador inicia com lembranças da infância, quando ele e os amigos invadiam a casa para suas brincadeiras e aventuras imaginárias (é interessante notar detalhes tão prosaicos em um conto de Lovecraft, já que o autor dava muito mais ênfase nos aspectos incomuns); apesar da atitude temerária dos garotos, estes não deixavam de sentir um medo inexplicável dentro dos corredores escuros, impregnados de um fedor indescritível e fungos estranhos, de aparência esquisita. Já adulto, o personagem faz descobertas alarmantes a respeito do lugar.
Não é dos contos mais memoráveis, mas nem por isso é desprezível. De certa forma, diria que é um bom começo para os não iniciados em Lovecraft.

Os Sonhos na Casa das Bruxas - Esse é bastante interessante por trazer altas doses de ficção científica. Walter Gilman faz estudos científicos no sótão de uma velha casa, na cidade de Arkhan (de onde você acha que surgiu o nome do hospício das histórias do Batman, hein?). Fascinado pelos intrincados ângulos da arquitetura do recinto, o sujeito faz cálculos e mais cálculos envolvendo física quântica e equações não euclidianas, tentando achar uma explicação para algo que o incomoda naquilo. De noite, é vítima de intensos pesadelos, que o mergulham ainda mais em sua obsessão sinistra, que pode trazer resultados... Argh, quem eu quero enganar? Que EFETIVAMENTE TRAZEM resultados apavorantes! História das boas, também é das mais conhecidas. Curiosidade: o conto foi adaptado para a minissérie Mestres do Terror, e pode ser encontrado nas locadoras. Mas francamente, recomendo a leitura do conto, pois a adaptação não ficou lá das melhores.

O Depoimento de Randolph Carter - Randolph Carter é um personagem recorrente no universo criado por Lovecraft, além de ser seu alterego óbvio. Na trama em questão, Randolph acompanha (via cabo telefônico, uma novidade científica na época) a jornada de Harley Warrem para dentro de uma estranha necrópole subterrânea. A trama se resume a Randolph escutando a narração do amigo, que vai descrevendo os horrores que encontra pelo caminho. Embora o desfecho não seja dos mais originais hoje em dia, certamente o foi na época; mas não importa, pois ainda assim, é um clímax capaz de causar calafrios. 

É importante ressaltar que os contos presentes nesse livro podem ser encontrados em outras coletâneas. Mesmo assim, a obra se destaca por trazer três das melhores histórias do lendário escritor. Recomendadíssimo!

Abraços, boa leitura.

A DAMA MORCEGA, de Giulia Moon



Giulia Moon é formada em Publicidade e Propaganda, e já foi diretora de arte, ilustradora, diretora de criação e sócia de agência de propaganda. Hoje em dia, além de trabalhar no setor de marketing de uma empresa educacional, também dá continuidade (ainda bem) à sua carreira como escritora de livros de terror, além de editar o Ficzine com a escritora Martha Argel e ser co-editora da Scarium Megazine.

Ela já tem três livros publicados, todos coletâneas de contos: Luar de Vampiros (Scortecci, 2003), Vampiros no Espelho e Outros Seres Obscuros (Landy, 2004) e A Dama Morcega (Landy, 2006). Atualmente, está prestes a lançar o livro Kaori - Perfume de Vampira (seu primeiro romance) pela Giz Editorial. Também participou da antologia Amor Vampiro, da mesma editora. Em resumo, ela está longe de ser uma iniciante no mundo editorial, e seus livros sempre são de qualidade impecável (tanto no material quanto, e principalmente, no conteúdo). Neste post, falarei rapidamente sobre A Dama Morcega.

Em A Dama Morcega, o terror passeia por todos os níveis possíveis, desde o horror mais sutil, até o medo mais explícito e gore, sendo que mesmo estes são escritos com elegância ímpar. Como a autora costuma dizer: "O terror deve ser antes de tudo um exercício de inteligência e sutileza", conselho ao qual ela sempre se atém. Sua escritra é delicada e de muito bom gosto, e mesmo quando alguém está sendo eviscerado ou algo do gênero, nunca descamba para o trash ou "porn-torture" (não que eu tenha algo contra os citados gêneros, rs). Os diálogos são sempre fluídos, seus personagens nacionais não possuem "brasileirismos" na fala, expressando-se com naturalidade. Isso tudo, claro, sem deixar o suspense e o medo de lado, sentimentos que Giulia Moon alcança facilmente.

Falemos um pouco das histórias presentes na obra: em Luna Errante, nos deparamos com uma visão original do mito dos lobisomens, de uma forma que é bem possível que você nunca tenha visto antes. Além de tudo, é uma história... de amor! Sim, licantropos e amor combinam, conforme você irá descobrir.

Júnior e seu Gnuko mostra a amizade entre um garotinho e uma criatura mortal, que pode ou não existir (não, não tem nada a ver com o filme A Mulher Invisível, rs). Ah, e a palavra "gravatinha" vai ficar marcada em sua memória de uma maneira muito diferente do que a habitual. :)

Na história O Vampiro e A Donzela, acompanhamos o desenrolar da vampirização de uma jovem, que resolve não permanecer sozinha em sua vida imortal. E quando uma vampira deseja alguma coisa, ela consegue, de uma forma terrível demais para os mortais que estiverem por perto.

Perdido! mostra a desesperadora busca de uma criança que se perdeu de sua excursão, num conto que certamente causará calafrios em qualquer um que, durante a infância, já tenha se perdido dos pais em um mercado, shopping ou lugares mais isolados (ou seja, quase todos nós).

Sobre O Paraíso - na minha opinião a melhor e mais emocionante história do livro - não quero falar nada. Qualquer informação iria estragar essa obra-prima, então simplesmente leia.

O Ser Obscuro é um conto que vai despertar a identificação de todos os ratos de sebo que existem por aí, além de servir como um alerta: cuidado com o que você leva para casa, pois alguns livros não contém apenas histórias em suas páginas empoeiradas...

O Herói e o Diabrete, inspirado em uma história lida em uma H.Q. antiga (mais uma informação conseguida em primeira mão, meus caros, rsrs), um cavaleiro segue em sua missão, acompanhado de um monstrinho que dá vontade de levar pra casa (ou não). Mas o melhor de tudo é o dragão, afinal, quem é que não gosta de histórias de dragões? Eles são fantásticos, ferozes e... o quê, você não gosta? Suma daqui! HAUHAAUAH.

Perigosa Ilusão resgata a deliciosa (em todos os sentidos, ahhhhh) vampira Maya e seu indefectível mordomo Stephen. O grande barato nas histórias desses personagens é a estranha e perigosa relação que os mantém unidos, sempre à beira de um fim trágico (ou não, dependendo da visão de cada um).

A Tia-Madrinha é um conto simples e curto, que na minha opinião poderia ir mais longe na crueldade. Falei isso para a escritora uma vez, que aceitou educadamente meu conselho furado, mas também me explicou que foi esse conto chamou a atenção do editor da Landy, que lhe propôs publicar por sua editora. Ou seja, é a história que abriu portas para a autora, além de ser a prova definitiva de que vocês não devem escutar tudo que eu falo, rsrsrs.

Em A Dama-Morcega, conto que dá título à obra, somos transportados para uma São Paulo do início do século XX, onde um asqueroso dono de circo mantém cativa a misteriosa (adiviiinha) Dama-Morcega! Uma mulher com a força de dez homens, velocidade de um tigre e a ferocidade de uma das minhas ex-namoradas! A autora provavelmente fez uma ampla pesquisa de época para chegar ao resultado final, porém a ambientação segue de maneira tão leve e agradável (como todo o livro, aliás), que quase chegamos a acreditar que tudo saiu de sua mente enquanto teclava em seu computador; é a segunda melhor história do livro (friamente falando, talvez seja a melhor história, embora eu goste mais de O Paraíso por questões pessoais), com personagens cativantes e situações ainda mais bem-desenvolvidas. É o maior conto do livro, mesmo assim ficamos com vontade de ler mais sobre aqueles personagens.


Por fim, o livro fecha com Pé-de-Moleque em Dezembro, onde um saci tem uma irreverente conversa com Jesus (!)... digo, não exatamente Jesus, mas enfim, o conto é uma crítica a valorização apenas daquilo que é estrangeiro, e como temos a tendência de estimar mais aquilo que veio do exterior (ou dos EUA, mais especificamente). Um erro grave, mas que podemos começar a corrigir lendo os autores nacionais, que, falando sério (sem demagogia, puxa-saquismo, nada), estão se saindo muito bem no gênero terror. Portanto, caso você ainda não tenha lido nada de um autor nacional, A Dama Morcega é um bom lugar para começar.


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