terça-feira, 29 de julho de 2014

Espólio Sangrento: XI

Uma nova amizade

- Ele está sendo perseguido? – Perguntou o Sultão, um pouco satisfeito. Estava sentado em seu trono real. Diante dele um soldado mensageiro. O mesmo estava ajoelhado, olhando para o chão.

- Como esse moleque consegue? Ele tem apenas treze anos e consegue dar toda essa dor de cabeça? – A voz de Mehmed II soava um pouco mais solene. O mesmo segurava o pergaminho com menos ódio que sentira outrora. Estava trajando um pano que envolvia todo seu corpo. Um cetim vermelho e sua coroa de realeza. O local era o salão real. O mesmo tinha quase trinta metros quadrados, rodeado por soldados nas laterais em pé. Todos segurando lanças em posições de defesa, fazendo a proteção do seu rei.
O mensageiro ouviu e pensou: Ele é mais esperto que todos nós, que todos nós. Mas é claro, ele apenas pensou, não ousaria dizer algo daquele tipo em voz alta. Sabia que se falasse, seriam suas ultimas palavras.

- E o mais novo? Onde ele está?

- Está na biblioteca, lendo os livros dos seus ancestrais meu senhor. – Respondeu o mensageiro, ainda olhando para o piso branco.

- Este garoto é idiota, mas ainda consegue ser tão esperto quanto Vlad. Ele sabe que se não me dar dor de cabeça, ele não sofrerá. Garoto esperto.
~~
Os gorgulhos  abissais ecoavam pela mata escura. Os animais noturnos caçavam suas presas, as presas que tinham sorte conseguiam escapar de seus predadores. Aquelas que tinham azar sentia a dor da captura, a dor do bote dos seus predadores. Era exatamente esta dor que Vlad estava prestes a sentir. Os caninos finos iriam penetrar sua carne fina e talvez dilacera-lo, com pouco de sorte, sairia vivo, mas a sorte iria acabar quando fosse entregue ao Sultão. Estava exausto, cansado, quase desmaiando quando sentia o cheiro de pelo molhado aproximando-se de si e segundos depois uma criatura escura com olhos vermelhos ficando a sua frente.

­ Um lobo? Isto é um lobo?

Sua visão era turva, sua consciência estava fraca, entrou em um pequeno estado de vigília graças à adrenalina que seu corpo criará ao ver aquele animal tomando a frente de si.
Estou enlouquecendo...Não...Isto é uma alucinação, como um animal desse pode me 
proteger? Por que está tentando me proteger?

Agora via o lobo andando de um lado para o outro, mostrando os caninos enormes para os cachorros, parecia estar feroz, furioso. Não consigo entender.

Os cães treinados fitavam e se preparavam para bote contra a criatura funesta.

O lobo não conseguia entender o porquê de estar ali, protegendo aquela criança. Não reconhecia o seu cheiro, nunca sentiu um odor familiar se quer, mas algo o impulsionava para tal ato. Repentinamente os dois cães que estavam nas laterais avançaram, ágeis e com precisão.

O lobo esperou cerca de três segundos e avançou na direção do maior, primeira iria ferir o mais agressivo, deixando-o ferido para depois atacar o menor. Ele era experiente e sábio para sua espécie, era velho, mais velho que muitos homens.

Com sorte, teve êxito e conseguiu atacar primeiro que a dupla. Ao aproximar-se de mais do cão maior, abaixou-se impulsionou as patas dianteiras contra o chão, fazendo-o dar um pequeno pulo de baixo para cima, abocanhado o pescoço do cachorro. Cravou os dentes ferozes e sentiu o sangue quente descer por sua garganta. Era delicioso, saboroso e prazeroso. Como era bom o gosto de sangue.

Caso Vlad pudesse ver, iria notar os olhos vermelhos brilharem de satisfação.
O cão uivou de dor, um uivo alto e agonizante, chamando a atenção de todos e tudo que estivesse por perto.

Os olhos de Vlas estavam quase fechados novamente, mas o rugido de aflição fizera com que um arrepio o mantivesse acordado.

Ele realmente vai me proteger...Que animal é este?

Mas a sorte não estava totalmente ao lado do lobo. O mesmo acreditou que ao acertar o seu bote, o menor iria se afastar. Mas isso não aconteceu.

Sentiu as presas do outro cão contra sua coxa direita traseira e virou rapidamente, acertando uma mordida forte contra o rosto do cachorro. Os dentes perfuravam um dos olhos do animal de pele branca e este caiu no chão chorando, um som agudo e irritante.

Meus ouvidos..Mate esse animal de uma vez.

O lobo olhou para trás como se tivesse ouvido Vlad e o coração do garoto acelerou.
O animal negro deu um pequeno salto contra o cachorro caído e dilacerou o pescoço dele, criando uma enorme poça de sangue no chão. Os outros dois cães rodeavam-se o lobo enquanto os outros dois estavam mortos.

Vlad sorriu. Como eu amo essa cor, este vermelho forte, está cor que reflete a vitalidade.
Mas arregalou os olhos quando um dos cães o fitara e voltara a rosnar para ele.
Não....Para mim não...Olha o lobo...Olha o lobo....- Pensou o garoto fraco e cansado, incapaz de levantar-se novamente e correr.

O lobo se manteve rodopiando lentamente, mantendo o mesmo ritmo do cão que o rondava. O garoto, tenho que proteger o garoto. Tentou avançar em um bote mas sentiu a dor da sua pata traseira, era impossível dar um bote eficaz e rápido, infelizmente teria que esperar o cão avançar para esquivar-se e mata-lo.

Vlad olhou para os lados, procurando qualquer coisa que pudesse usar para se defender caso o cão avançasse contra si. Tudo que seus olhos negros e redondos viam eram pequenas pedras e alguns galhos quebrados. Por favor, não avance, não avance!

E fora exatamente isso que o cão bravo fez, avançou e pulou em cima do garoto. Em um movimento rápido defensivo, Vlad colocou o braço esquerdo por cima do rosto e em seguida sentiu as os dentes ferozes do animal penetrando sua carne, chegando a seu osso.

- NÃO! SEU FILHA DA PUTA!  ISSO DÓI, NÃOOO!

O garoto tentou mover o braço, chacoalhar para o cão soltar e descobriu que isso seria uma péssima ideia, já que os dentes do cachorro tinham penetrado sua carne.
Vou te mata-lo, não importa mais, vou te matar!

­A dor era agonizante e com muita fúria e ódio Vlad fechou a mão e socou a cabeça do cão. Após cinco movimentos percebeu que era inútil e então olhou para o chão, pegando a maior pedra que conseguiu ver, levando novamente a mão contra a cabeça do animal, mas dessa vez acertando a cabeça do bicho com a ponta da pedra. Apenas três movimentos foram necessários para o cão soltar seu braço e começar a gemer de dor. Com o mesmo braço que segurava a pedra,  jogou a criatura no chão e com ferocidade e ódio, esmagou a cabeça do animal.

- MORRA!MORRA! MORRAAAA!
O lobo negro não podia mais proteger a criança, não por enquanto. Tinha que primeiro terminar o assunto com o ultimo cão agora.

Humanos são tão inteligentes, mas sem armas, são tão fracos e sensíveis. Ele vai ter que se virar.

Tentou dar um bote, mas sentiu a carne da coxa repuxando, fazendo-o cambalear de dor. O cão a sua frente era inteligente. Sabia que tinha certa vantagem, não tinha nenhum ferimento e estava esperando o lobo atacar.

Repentinamente um grito de dor fora ecoado pelo local.

Ele foi pego...

Segundos depois era o gemido do cão que se podia ouvir. O cão diante o lobo se distraiu e virou um pouco do seu corpo, podendo ver a situação.

AGORA!

Pensou o lobo e avançou contra a jugular do cachorro, mordendo com todas suas forças a carne do animal, movendo a cabeça de um lado para o outro, arrancando a carne do animal.
Não demorou e o cão caiu inerte, morto.

Mas que diabos.

Naquele momento sentiu certo orgulho. Entendeu o porquê estava sendo atraído pela aquela criança. Ele não é um humano comum.

Vlad estava em cima do cachorro, sua mão direita segurava uma pedra coberta de sangue. O chão era uma verdadeira poça de liquido vermelho e a cabeça do animal estava totalmente destruída.

Os olhos do garoto brilhavam de felicidade, de prazer. Ele respirava e fitava o animal morto como se fosse um prêmio, como se fosse sua maior arte já criada. O braço esquerdo do menino sangrava, estava mordida, um grave ferimento.

Ele soube se defender!

- AQUI! ELES ESTÃO AQUI!

Vozes de humanos foram ouvidas tanto pelo lobo, quanto pela criança. Mas antes que o lobo pudesse se virar, ele sentiu dois espinhos penetrando suas costas.
Ele se virou, cambaleou para trás, fraco, sentindo uma enorme dor, estava muito ferido.

- NÃO, NÃO O MATE! NÃO O MATE!

Naquele instante, dor, cansaço. Nada disso passou a existir, Vlad se levantou e correu para frente do animal. Era a vez de ele protegê-lo agora.

- Mas que merda é essa? Um lobo gigante? – Gritou espantando o soldado que almejava uma besta com algumas flechas.

- Os olhos desse animal, são vermelhos como sangue. Que demônio é este? – Murmurou outro soldado. Eram cinco no total.

- Não o mate, por favor. Me levem, mas não o mate! – Implorou o garoto, voltando a sentir o cansaço querendo derruba-lo.

- VocÊs mataram todos os cachorros? QUE DEMÔNIOS VOCÊS SÃO?
Gritou o líder dos soldados, avançando até Vlad e o empurrando ao lado.

- Vou exterminar essa criatura! – Disse enquanto levantava a lança que segurava, contudo, o lobo já não estava mais lá, tinha desaparecido.

O soldado olhou para Vlad que agonizava no chão, segurando o braço mordido.

- Vejo que sofreu nessa fuga, espero que aprenda. Você não pode fugir de nós.

Agora Vlad estava sentando em cima de um cavalo, sendo levado de volta para o Sultão. O que vai acontecer comigo? Meu deus, o que vai acontecer comigo? E o lobo, como ele está?


Sentia-se confuso, perdido. Quando de repente ouviu um uivo alto. Não era um uivou qualquer, era o mesmo uivou que ouvira no dia que fora entregue ao Sultão e descobriu que era o uivo de seu amigo lobo.


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